«Sobre o lado esquerdo» (X)

2005-03-30

Ingmar Bergman

«Sim! Eu creio que a nossa Arte é Moral. E por Moral, eu quero dizer: regida por Leis. Se tu transgrides a Lei, és castigada e aqui o castigo é sempre o mesmo. Não atinges o Espectador. O Espectador, acaba por ficar mudo, indiferente, passivo. Representas para nada. A tu existência não tem nenhuma justificação»
Ingmar Bergman
 
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«Sobre o lado esquerdo» (IX)

2005-03-29

Ingmar Bergman

Isto não percebo… corta-se. “Isto fica ridículo… escreve-se doutra maneira”, “Esta cena não fica bem aqui… muda-se de sítio”. Estrafanho o texto para conseguir um determinado objectivo. No fim especo em cena, uma Cruz enorme e ainda uns cem figurantes, todos esfarrapados e de punho erguido, a encher o palco. Violo o Strindberg. Resulta bem e está muito na moda. Os críticos enchem-se de flores. Sacudi o pó ao velhote. Só os Directores de Teatro é que se podem permitir cometer estes “crimes”. Se fosse Música, era impossível, porque os músicos, esses sim, têm uma profissão que exige conhecimentos. Não faz mal aldrabar o Ibsen todo, mas se um Maestro se permitisse alterar uma nota só, do Mozart, a crítica e o público caíam-lhe todos em cima.

Ingmar Bergman
 
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A Descentralização


fotografia de Luís Rocha


A CTC EM PINHEL

No passado dia 26 de Março, o espectáculo As Obras Completas de William Shakespeare em 97 minutos esteve no Cine-Teatro São Luís, em Pinhel, a convite da Câmara Municipal.
 
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«Sobre o lado esquerdo» (VIII)

2005-03-24

António Pedro

Levar o teatro a toda a gente e toda a gente ao teatro, satisfazendo gradualmente as necessidades de distracção, emoção, compreensão, cultura, num grau de categoria que não afronte a mais elementar dignidade, começa aqui a tarefa de quem queira ocupar-se do problema. Não há teatro sem público. Não há teatro que não seja para o público. Se só um público reles vai ao teatro reles, haja um teatro que o não seja para um público que o não queira ser. O abismo abriu-se entre este e aquele. Não é ao público que compete a iniciativa de reconciliação. E como poderia ser ele a interesar-se por aquilo que não existe para o interessar?



Lia Gama em Oh Que Ricos Dias de Samuel Beckett
fotografia de Helena Costa

Antes de mais, para que haja teatro, é preciso que haja teatros, Teatros, com um palco onde se possa representar, com uma plateia pelo menos, onde o público se possa sentar e assistir ao que se passa para lá das luzes da ribalta. Ora, para começar, em Lisboa, excepção feita aos teatros nacionais de D. Maria e de S. Carlos (este reservado à ópera e ao ballet), só servem como teatro as salas que, pela miséria das suas instalações, nenhum empresário quer explorar como cinema. O Apolo e o Avenida não são teatros, são vergonhas. Na plateia, dura e incómoda, não cabem as pernas de um espectador que passe a craveira militar. Corredores sem salas de fumo, todos os outros anexos são piores do que o mais modesto cinema de bairro. São ambos de deitar abaixo, e não se perde nada com isso, desde que antes disso se criem condições decentes para os substituir.



João Carracedo, Simão Rubim e Manuel Mendes
em As Obras Completas de William Shakespeare em 97 minutos
de Adam Long, Jess Borgeson e Daniel Singer
fotografia de Luís Rocha

Em Portugal, quem será capaz de levar Gil Vicente, Camões e António Ferreira, o Judeu, Garrett e até, porque não, Pinheiro Chagas, mesmo D. João da Câmara e Marcelino Mesquita, e Coelho de Carvalho, (...).
Quem levará à cena as peças sérias de Almada Negreiros, cuja novidade envelhece desconhecida, e o mais que há por essas gavetas, sem um Teatro Nacional?
E será apenas esta a sua função? Shakespeare, Molière, Ibsen, Pirandello...Pode-se saber-se alguma coisa de teatro sem se ter passado por esta gente?
Não. Em Portugal não pode haver duas opiniões. O Estado tem que manter um Teatro Nacional como mantém as escolas e liceus, ou deve mantê-los, sem a preocupação de que as propinas paguem a renda dos edifícios e as despesas com professores, contínuos e material escolar.



Simão Rubim e Vanessa Agapito em O Mocho e a Gatinha de Bill Manhoff
fotografia de Ramon de Melo


Uma profissão não se prestigia por decreto e não é para ver diplomas que o público vai ao teatro – é para ver representar. Se os actores perderam o público é porque o público não quer esses actores e quer que venham novos actores para os substituir. Em toda a sua crueldade, o problema é este. Os desempregados do teatro não podem ser desempregados, têm de ser pessoas destinadas a mudar de profissão. Nenhuma consideração sentimental pode mudar a evidência deste postulado. A profissão artística, mais do que nenhuma outra, deixa um rasto de sangue atrás de si. Muitos são chamados a ela e poucos os escolhidos. É indespensável um permanente sacrifício de vidas na sarça ardente desta relegião. E quem tiver medo do risco de ser sacrificado, escolha outro ofício por seu. (...).
Abram-se as portas do teatro a quem nele queira consumir a sua mocidade e o seu talento. Deixem falhar quem tem de falhar, morrer quem tiver de morrer, chegar ao prestígio e à fama quem possuir talento e sorte para consegui-lo.



Vanessa Agapito em A Casa da Boneca de Henrik Ibsen
fotografia de Luís Rocha

Como diz o crítico americano George Freedley, «acreditamos que enquanto houver gente no mundo capaz de gozar o contacto emocional e intelectual com a voz dos seus poetas e dramaturgos, através de bons actores, num ambiente propositado para esse fim, nenhum processo mecânico pode substituir o palco».

António Pedro
 
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«Sobre o lado esquerdo» (VII)



Fernando Amado (1899-1968)



in Programa da Temporada Inaugural de A Casa da Comédia, Lisboa, VII-1963

Perguntarão: Qual a doutrina estética? Qual a escola preferida?
Gostaríamos de responder à letra, de maneira peremptória, mas receamos ter de confessar que não temos doutrina estética nem escola preferida. A nossa actividade quanto à escolha de peças, critério de encenação e problemática contemporânea, não ficará sujeita às correntes intelectuais mais ou menos triunfantes mundo fora. Somos neste aspecto – dizemo-lo quase com vergonha – inacreditavelmente livres.


Fernando Amado

 
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«Sobre o lado esquerdo» (VI)

2005-03-23

Mário Viegas no Castelo de Elsingore

SONETO DE SHAKESPEARE
REESCRITO EM PORTUGUÊS


Se nada há de novo e tudo o que há
já dantes era como agora é,
só ilusão a criação será:
criar o já criado para quê?
Que alguém me mostre, sobre um livro antigo
como quinhentas translações astrais,
a tua imagem, na inscrição, no abrigo
do espírito em seus signos iniciais.
Que eu saiba o que diria o velho mundo
deste milagre que é a tua forma;
se te viram melhor, se me confundo,
se as translações seguem a mesma norma.
Mas disto estou seguro: antigos textos
Louvaram mais com bem menores pretextos.

Carlos de Oliveira


Mário Viegas em Enquanto Se Está à Espera de Godot
 
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«Sobre o lado esquerdo» (V)

A FERNANDO PESSOA

DEPOIS DE LER O SEU DRAMA ESTÁTICO
«O MARINHEIRO» EM «ORPHEU I»

Depois de doze minutos
Do seu drama O Marinheiro,
Em que os mais ágeis astustos
Se sentem com sono e brutos,
E de sentido nem cheiro,
Diz uma das veladoras
Com langorosa magia:

De eterno e belo há apenas o sonho. Porque estamos nós falando ainda?

Ora isso mesmo é que eu ia
Perguntar a essas senhoras...


Álvaro de Campos
 
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«Sobre o lado esquerdo» (IV)

2005-03-21
VILANCETE CASTELHANO DE
GIL VICENTE

Por mais que nos doa a vida
nunca se perca a esperança;
a falta de confiança
só da morte é conhecida.
Se a lágrimas for comprida
a sorte, sentindo-a bem,
vereis que todo o mal vem
achar remédio na vida.
E pois que outro preço tem
depois do mal a bonança,
nunca se perca a esperança
enquanto a morte não vem.


Carlos de Oliveira
 
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«Sobre o lado esquerdo» (III)


caricatura de Gil Vicente



PRÓLOGO EM QUE O AUTOR DEREGIA ESTA CÓPIA
DE SUAS OBRAS AO MUITO EXCELSO PRÍNCIPE
EL REI DOM JOÃO O TERCEIRO DESTE NOME EM PORTUGAL

Os livros das obras que escritas vi, sereníssimo senhor, assi em metro como em prosa, são tam florecidas de cientes matérias, de graciosas invenções, de doces eloquências e elegâncias, que temendo a pobreza de meu engenho, porque nasceu e vive sem possuir nenhua destas, determinava leixar minhas misérrimas obras por empremir, porque os antigos e modernos nam leixaram cousa boa por dizer, nem invenção linda por achar, nem graça por descobrir. Assi que, pera passar seguro da pena que minha ignorância padecer nam escusa, me fora fermosa guarida nam dizer senam o que eles dixeram, ainda que eu ficasse como eco nos vales, que fala o que dizem sem saber o que diz.

Prólogo de Gil Vicente



Pranto de Maria Parda de Gil Vicente
na fotografia Maria Céu Guerra
espectáculo da companhia de teatro A Barraca

 
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A Descentralização

2005-03-19

fotografias de Luís Rocha

FIM-DE-SEMANA EM DIGRESSÃO
A CTC NO CACÉM E EM MAFRA

O espectáculo As Obras Completas de William Shakespeare em 97 minutos vai estar esta noite no Auditório Municipal António Silva, no Cacém, a convite da Câmara Municipal de Sintra.

Amanhã, dia 20 de Março, o espectáculo vai estar no Centro Cultural Jaime Lobo, a convite da Câmara Municipal de Mafra.
 
posted by CTC at 16:24, |

«Sobre o lado esquerdo» (II)

2005-03-18



O BONECO - Acredita no coração! Ele sabe de cor o que quer!... Não foi necessário ao coração ir aprender o que queria... A nossa cabeça é que precisa de aprender o que quer o coração!...


A BONECA - É assim que bate o coração...


Antes de Começar, Almada Negreiros



 
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«Sobre o lado esquerdo» (I)

2005-03-17


Lourdes de Castro



A ILHA
para a Ângela
A ilha era deserta e o mar com medo
de tanta solidão já te sonhava:
ia em vento chamar-te para longe
e longamente em espuma te esperava.

À cinza dos rochedos atirava
na grande madrugada adormecida,
já saudosos de ti, os braços de água,
sem ter acontecido a tua vida.

Sim, meu amor, antes de Zarco vir
provar o sumo e o travo à solidão,
no litoral de pedra pressentida
o mar imaginava esta canção.

E as lúcidas gaivotas desse tempo
talhavam como um voo o teu amor:
o início de lava e sal que deixa
(talvez) neste poema algum esplendor(1).
Carlos de Oliveira


_______________________
(1)
A ilha hoje é um paraíso inglês
de orquídeas e renques orvalhados:
mister X e a cana do açúcar
mister Y, bancos, luz, bordados.

Ó Cesário, pudesse eu voltar
e deste cais onde não há varinas
ver os garotos na água implorar
(sir, one penny) o oiro das neblinas.



 
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«Sobre o lado esquerdo»

 
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Notícias (CTC e Promosoft)

2005-03-16



CAMPANHA PUBLICITÁRIA
GRUPO PROMOSOFT E CTC


O Grupo Promosoft, patrocinador da Companhia Teatral do Chiado, iniciou na passada segunda-feira, dia 14 de Março, a sua campanha publicitária para 2005 tendo como mote o espectáculo teatral As Obras Completas de William Shakespeare em 97 minutos.
 
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Notícias (Público e Diário de Notícias)

2005-03-15


“Pizarro abandona recital ao quarto toque de telemóvel”, in Público, 2005-III-12

Pizarro abandona recital ao quarto toque de telemóvel
Devia ser uma noite especial. Além da actuação de um dos mais notáveis pianistas portugueses, comemoravam-se os 25 anos de carreira de Artur Pizarro, que deu o seu primeiro recital no Teatro São Luiz quando tinha apenas 11 anos. Mas o evento, inserido no Mês da Música, teve um lamentável desfecho devido à incúria do público. Mesmo depois de um sonoro aviso no inicio do espectáculo, vários telemóveis teimaram em dar sinal de vida. Pizarro viu-se obrigado a interromper e recomeçar uma das belíssimas peças de Mirroirs, de Ravel, mas os toques não ficaram por ali, para além de outros ruídos na sala. Ao quarto toque, no meio do conhecido Clair de Lune, da Suite Bergamasque, de Debussy, o pianista levantou-se para dizer: “Só volto a tocar depois de atender e sair da sala.” Ninguém se mexeu e Pizarro abandonou o palco. Alguns minutos depois o director artístico do teatro, Jorge Salavisa, veio anunciar que “este momento tão especial para o pianista estava terminado” e o recital de quinta-feira (21h) não foi concluído.


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Barros, Eurico de, “A derrota do silêncio”, in DN Online, 2005-III-12

A derrota do silêncio

Lisboa, Teatro São Luiz, noite de quinta-feira. Um telemóvel toca logo no início do recital do pianista português Artur Pizarro e é sonoramente atendido. O músico pára a execução da peça e retoma-a logo a seguir. Mais adiante, torna a ouvir-se outro toque, mas desta vez Pizarro não pára. A seguir ao intervalo, soa outro telemóvel, longamente, porque o proprietário nem se digna desligá-lo. Artur Pizarro deixa de tocar e diz à criatura "Atenda, que eu paro. Mas saia". E pega nas partituras, levanta-se e vai-se embora. Há burburinho na sala e é anunciado que o pianista não regressará. O dono do telemóvel que estragou a noite a Pizarro e ao público do São Luiz dirige-se à bilheteira para exigir o dinheiro de volta, porque o recital foi interrompido.
O telemóvel já substituiu a tosse cava e o barulhinho do papel de rebuçado como grande elemento perturbador nas salas de espectáculos. Mas o fenómeno não se deve apenas a um punhado de esquecidos crónicos que nunca desligam os telemóveis no teatro, no cinema, na ópera ou no recital, nem à falta de educação e consideração de meia dúzia de grosseiros, os mesmos que antes de haver telemóveis faziam barulho e falavam alto nos espectáculos. Ele é a manifestação de um mal-estar social muito maior.
O adolescente parvinho, o novo-rico cultural, o grunho das novas tecnologias, a cinquentona impertinente que se vão sentar numa plateia ou num auditório sem silenciar o telemóvel e o atendem ostensivamente enquanto os actores interpretam, os músicos tocam, o filme corre ou os cantores vocalizam, já não sabem ser espectadores. Perderam a noção do que é assistir a um espectáculo partilhado colectivamente. A sociedade em que nasceram e foram "educados" é uma sociedade que tem horror ao silêncio e só está bem no meio do barulho, incomode a quem incomodar. A cultura em que vivem é a da comunicação redundante, da palavra vazia, do falar para dizer nada mas até se ficar sem voz, alimentada pelas empresas de telecomunicações e pelas campanhas de publicidade. No nosso mundo há educação a menos e som a mais. Admiram-se por isso que toquem cada vez mais telemóveis e sejam atendidos nas salas de espectáculos? Habituem-se!

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Mariano, Bernardo, “Telemóveis destruíram recital de Artur Pizarro”, in Diário de Notícias, 2005-III-13, pp. 41

Crítica
Música

Telemóveis destruíram recital de Artur Pizarro

Intérprete. Artur Pizarro
Obras. Ravel, Liszt, Dubussy e Rachmaninov
Local. Teatro São Luiz

Era para ser um recital de festa e celebração em honra a uma carreira que naquela sala escrevera a primeira letra.
Era para ser uma oportunidade – e não são muitas, por cá – de ouvir ao vivo um grande pianista português estabelecido no estrangeiro.
Era para ser um programa que começa com Ravel, prosseguia com Liszt, continuava com Rachmaninov.
Era para ser uma grande noite de música, coroada, quem sabe, por vários extras e público de pé.
Era para ser… mas não foi!
Foi, isso sim, uma vergonha, feita em partes iguais de desfaçatez, boçalidade e arrogância
Na origem de tudo, uma vez mais, os famigerados telemóveis, a máquina que acabou de uma vez por todas com qualquer esperança de haver públicos educados em Portugal (poderemos conservar uma réstia longínqua de esperança?...)
No recital de Artur Pizarro, o desfecho anunciou-se cedo: mal tinha o pianista iniciado Oiseaux tristes, segunda peça de Miroirs, de Ravel, soou o primeiro. O que é ainda mais espantoso é as pessoas ficarem à espera que do outro lado desliguem (?) em vez de sacarem do “bicho” ao primeiro som e logo o silenciar. Já que não o desligam antes de entrar na sala, o máximo aceitável seria que ao menos o pusessem no mudo e em modo de vibração! Mas não: o senhor esperou, atendeu e ainda dentro da sala soltou um sonoroso “Estáá?” O início da conversa ainda se ouviu bem dentro do auditório! Artur Pizarro interrompeu a execução e esperou que regressasse o silêncio.
Na peça seguinte, Une barque sur l'ócéan, a meio da execução, novo toque, agora num camarote. Desta feita, Artur Pizarro não se deteve…
Veio a segunda parte e, no Clair de lune (logo onde!!) da Bergamasque de Debussuy, sucedeu o caso acima referido e contado ontem nestas páginas por Eurico de Barros. Era demais e Pizarro deixou o palco. Veio Jorge Salavisa dizer que o recital não continuaria. Houve palmas para a atitude do pianista, mas o mal estava feito. […]

 
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Entrevista de Mário Viegas ao JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias, 1993-IX-21

2005-03-14



[...]
«JL» – A inexistência do movimento teatral a que se refere tem a ver apenas com a política cultural em vigor?


M.V. – O teatro não está na moda. Por outro lado, houve uma série de erros graves da classe teatral que se dividiu irremediavelmente. Grande parte dessa classe vendeu-se a uma política de espírito do actual Governo è espera de receber umas pequenas benesses: uma sala, um subsidiozinho de sobrevivência, uma pseudodescentralização, uns dinheiros para comprar umas quintinhas com piscina...

«JL» – E a nova geração de teatro?

M.V. – Não apanhou uma época de resistência e de utopia como a minha geração, a dos quarentões. São capazes de apresentar umas «caganças pseudo-intelectuais» a que os corifeus chamam geniais e, simultaneamente, fazem a porcaria das telenovelas. Portanto, não há qualquer coerência ou sonho na nova geração teatral. E quem nasce torto, tarde ou nunca se endireita. Isso desgosta-me.
[...]
 
posted by CTC at 15:44, |

Notícias (Actual - Expresso)



Carita, Alexandra, “O julgamento da arte”, in Actual (Expresso), nº 1689, 2005-III-12, pp. 10

O julgamento da arte

Critérios subjectivos decidem apoios do Estado

O concurso que mais polémica cria ao Ministério da Cultura custa ao Estado português 16 milhões e 700 mil euros por ano. Trata-se do programa de apoio sustentado às artes do espectáculo, que subsidia 160 estruturas de norte a sul do país. Em causa está sempre o julgamento a que essas estruturas são sujeitas. De facto, os critérios de avaliação estão definidos em decreto-lei, mas é a opção estética da comissão de avaliação que acaba por pesar mais na decisão final. E é esse o ponto que mais tinta faz correr nos recursos de audiência de interessados, levados a cabo pelas estruturas descontentes com as justificações apresentadas pelas comissões.
«Não há um formalismo quantitativo, os objectos em análise são de natureza muito imaterial e articulam critérios objectivos e subjectivos», explica Paulo Cunha e Silva, director do Instituto das Artes (IA), entidade que atribui estes subsídios. Ana Marin, representante do IA na comissão de avaliação do concurso na Região de Lisboa e Vale do Tejo, vai mais longe: «Não é possível alhearmo-nos de uma avaliação estética em relação à qualidade dos projectos. Como é que se justifica uma escolha entre Saramago e Lobo Antunes através de critérios objectivos», afirma, para defender um júri que tem na subjectividade de alguns dos critérios definidos pelo próprio decreto-lei um aliado. Se, por um lado, se exige à comissão de avaliação (formada por um delegado regional, um representante do ensino da área a subsidiar, um representante das associações profissionais e um perito na matéria) que tenha em conta a itinerância, as parcerias de produções, os financiamentos extra-estatais, por exemplo, por outro impõe-se-lhe que julgue a qualidade técnica e artística do projecto.
O resultado é que a totalidade dos programas apresentados pelas estruturas estão bem fundamentados, pelo que o desempate é feito nos critérios mais abrangentes e subjectivos.
E a história repete-se todos os anos. Os protestos são muitos, e tudo é discutível. O certo é que, no geral, este ano a verba destinada aos apoios sustentados cresceu 17 por cento, ao mesmo tempo que o financiamento requerido pelas estruturas a ultrapassou em 300 por cento.
Feitas as contas, o teatro é a área que leva a maior fatia do bolo, com 9 milhões e 500 mil euros apara apoiar 64 estruturas; seguem-se-lhe os projectos transdisciplinares/pluridisciplinares, com 2 milhões e 900 mil euros para 26 estruturas; a música, com 2 milhões e 200 mil euros para 46 estruturas; e, em último, a dança, com 2 milhões e 100 mil euros para 24 estruturas.
 
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«Ninguém se mexa! Mãos ao ar»

2005-03-13


«NINGUÉM SE MEXA! MÃOS AO AR»


«Ninguém se mexa! Mãos ao ar» disse o histérico
e frívolo homenzinho com mais medo
da arma que empunhava que de nós.
«Mãos ao ar!», repetiu para convencer-se.

Mas ninguém se mexeu, como ele queria...
Deu-lhe então a maldade. Quase à toa,
escaqueirou o espelho biselado
que tinha as Boas-Festas da gerência

escritas a sabão. Todos baixámos,
medrosos, a cabeça. Se era um louco,
melhor deixá-lo. (O barman escondera-se
por detrás do balcão). Ali estivemos

um ror de medo, até que o rabioso
virou a arma à boca e disparou


Alexandre O'Neill



 
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A Descentralização

2005-03-12

fotografias de Luís Rocha


A CTC NA MOITA

O espectáculo As Obras Completas de William Shakespeare em 97 minutos vai estar esta noite na Sociedade Filarmónica Estrela Moitense a convite da Câmara Municipal da Moita. O espectáculo terá ínicio às 21h30.
 
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«Ninguém se mexa! Mãos ao ar» (XXI)

2005-03-11
MANIFESTAÇÃO DE APOIO

A multidão invadira a praça, rodeando a estátua que lá em cima apontava, imperativa, a grande glória da pátria. Espezinhando canteiros, inundando ruas adjacentes, vociferante. A manifestação.
Os gritos indicados. Guinchos. Várias crianças à procura da mãe ou do pai.
Era o apoio. Incondicional, ininterrupto, ao primeiro-ministro.
Ali, na praça enorme e paciente.
O primeiro-ministro olhou por uma das janelas, no terceiro andar antiquíssimo do Paço Ministerial. Sorriu levemente. Apalpou a cara, passou uma das mãos pela lapela do casaco, numa carícia inconsciente. Acenou com a cabeça, discreto, um pouco irónico, ao ministério perfilado no fundo da Sala dos Actos.
Dirigiu-se à varanda alta, sobre a praça apoplética.
Abriu a janela num gesto amplo e paternal e deu um passo em frente.
Ouviu-se um som murcho e abafado, uma espécie de paff das bandas desenhadas, lá em baixo, no empedrado decorativo que circundava o Paço.
Alguém tirara a varanda. Toda.
Mário-Henrique Leiria
 
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Oh Que Ricos Subsídios (XI)

2005-03-09
Ora vivam!

Cá estamos de novo a publicar na íntegra mais uma acta do IA. Esperamos comentários com muito humor, muita ironia e etc… (o etc. mói a cabeça à Ana), mas antes aconselhamos a leitura de OH QUE RICOS SUBSÍDIOS (IV), OH QUE RICOS SUBSÍDIOS (VII) e, tirem as vossas conclusões!!


CANDIDATURA # 038

CÃO SOLTEIRO

Organizada como uma sociedade por quotas, a companhia é co-dirigida por Mariana Sá Nogueira, Paula Sá Nogueira e Marcello Urgeghe e está inserida na Casa dos Dias da Água, em regime de arrendamento. Candidata-se a 2 anos, na condição – legalmente prevista – de director artístico (neste caso, de directores artísticos) com mais de 5 anos de actividade comprovada.

Formada em 1997, a companhia vem desenvolvendo projectos de visível transversalidade ao aliar a palavra com outras formas artísticas – as artes plásticas, a música e a imagem filmada, entre outras – no sentido não apenas de trabalhar com elementos diversos em jogos de fragmentação e colagem, mas também para criar atmosferas evocativas de valor onírico, apostando na sequência de imagens fortes de pendor sugestivo. Ao definir este método e estes objectivos, a companhia localiza nas artes do século XX o seu material de adopção e opta por uma trabalho continuado com encenadores como Nuno Carinhas (de formação em artes plásticas) e Rogério de Carvalho. O modo de preparação dos espectáculos implica um tempo de reflexão e construção algo demorado e traduz-se pela fórmula «projecto» para cada uma das produções.

Com uma estrutura de base relativamente diminuta, a programação, que apresenta para 2 anos, prevê a colaboração de elementos convidados, alguns de mais frequente visitação, como os encenadores já citados, e os actores Paula Diogo e André E. Teodósio, entre outros. Conta com alguns apoios e parcerias (desejavelmente renováveis ou a confirmar) quer com instituições (Câmara de Lisboa, Gulbenkian, Instituto Português da Juventude...), quer com outros grupos de teatro com os quais define, em conjunto, uma espécie de área electiva feita de convergência de gostos e de intercâmbio de artistas (privilegiadamente Sensurround, Praga, Assédio).

Na programação que apresentam saliente-se a escolha de Picasso para o 1.º espectáculo, de Baudelaire e Perec, para o 2.º e de Andersen para o 3.º, no que diz respeito ao ano de 2005. Prevêem para 2006 uma colaboração especial com o escritor Rui Nunes a quem pretendem encomendar um texto a construir em processo de diálogo com os restantes criadores do espectáculo:
A concentração do olhar. Há, de facto, no projecto global, que apresentam, a preocupação em encontrar lógicas coesivas que justifiquem as opções: no 1.º ano trata-se de prolongar e pesquisa encetada com Nocturno delirante (sobre a literatura fantástica) para interrogarem o imaginário que as sucessivas rupturas estéticas – romantismo, simbolismo, surrealismo, absurdo, etc. – foram construindo na literatura e nas artes plásticas.

Trata-se de um grupo de pendor claramente experimental que privilegiadamente se dirige a um público jovem e urbano, não se reconhecendo, naturalmente, em projectos de maior impacto social, vocacionados para a infância ou de fácil transporte em digressão. Porém, o cuidado posto nos seus espectáculos e o empenhamento numa estética muito experimental justificam o apoio a conceder para o biénio de 2005-2006, sendo o financiamento para o 1.º ano, por razões que decorrem da necessária contenção orçamental a que o programa de apoio sustentado às artes do espectáculo obriga, de 70 000 € (setenta mil euros).



NB – a Irmã Lúcia arrenda quartos e caros…
 
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Notícias (CTC)

2005-03-07

fotografia de Mariana Veloso



A Casa da Boneca de Henrik Ibsen

Em cena até 31 de Março de 2005


Não perca as últimas representações deste espectáculo da Companhia Teatral do Chiado às quintas, sextas e sábados às 21h. Encenação de Juvenal Garcês, tradução de Maria João da Rocha Afonso, interpretação de Vanessa Agapito, Simão Rubim, Juvenal Garcês, Luzia Paramés, Manuel Mendes e Manuela Cassola


O que se disse sobre este espectáculo:

Carlos Porto, JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, 2005-II-02
“Não é a primeira vez que a Companhia Teatral do Chiado se interessa por Ibsen, desta vez, suponho, com uma intensidade, uma verdade, uma qualidade estética que o justifica. Nele o elenco interpretativo é responsável por essa qualidade, sendo justo salientar o trabalho notável da actriz Vanessa Agapito.”

Rui Nunes da Silva, Expresso, 2005-I-15
“Regresso ao palco de uma obra sublime da dramaturgia universal (…). A tarefa de Vanessa Agapito como Nora é tremenda, na medida em que deve ser perfeita. (…) Fisicamente, não se podia ter exigido mais: tem uma presença atraente e uma energia formidável, transmitindo todo o ímpeto da personagem (…). Juvenal Garcês, que acumula como encenador, fez um óptimo trabalho neste campo, permitindo, através da respiração da acção, que a tensão vá subindo até se tornar insuportável.”

Rita Martins, Público, 2005-II-02
“Juvenal Garcês opta por uma actualização de "A Casa da Boneca", recuperando a pertinência da temática introduzida por Ibsen. A encenação e a interpretação dos actores são convincentes nesta passagem para o contexto actual. Não deixa de surpreender (ou mesmo entristecer) que, passados 126 anos sobre a escrita dum texto que então foi considerado escandaloso, a encenação de "A Casa da Boneca" nos devolva a persistência do retrato e a actualidade da crítica, deixando entrever um ainda longo caminho na afirmação dos plenos direitos das mulheres.”

Andreia Félix Coelho, O Independente, 2004-XII-17
“O que deixa qualquer um boquiaberto é a pertinência actual de uma obra escrita há mais de um século, algo que confirma a genialidade de Henrik Ibsen. Por isso mesmo, quem entrar no Teatro-Estúdio Mário Viegas não irá assistir a uma produção repleta de figurinos e cenários que reportam a um clássico de outros tempos. Pelo contrário, verá em palco uma família de classe-média actual e diálogos perfeitamente plausíveis nos dias que correm, sem quase ter havido alterações no texto original.”

Filipa Estrela, Destak, 2004-XII-16
“A excelência de uma peça revolucionária e actual”

 
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Notícias (Actual - Expresso)

2005-03-06


Carita, Alexandra, “A Barraca leva MC a tribunal”, in Actual (Expresso), nº 1688, 2005-III-05, pp. 10

A Barraca leva MC a tribunal

Maria do Céu Guerra quer anular concursos de apoio sustentado

A directora da companhia de teatro A Barraca só está à espera da documentação oficial que oficializa os resultados do concurso dos apoios sustentados às artes do espectáculo da região de Lisboa e Vale do Tejo para mover uma acção judicial contra o Ministério da Cultura (MC). Maria do Céu Guerra diz-se vítima de uma «perseguição dirigida e intencional» e promete «avançar com todos os meios que tiver ao alcance» para combater «a injustiça». É que, contrariamente ao que esperava e depois de ter recorrido em audiência de interessados do resultado do concurso, a verba que lhe foi destinada pelo Instituto das Artes (IA) manteve-se nos 180 mil euros por quatro anos.
«Está em causa a sobrevivência da companhia tal como ela é hoje. E não se compreende uma verba tão curta para um grupo que teve um ano tão brilhante e que sempre tem lutado pela itinerância e pelos espectáculos para o povo», queixa-se Céu Guerra. Para a actriz, o IA pratica «uma ditadura de gosto» e só aposta «na experimentação e nas vanguardas. Pertencemos a grupos culturais diferentes. O Instituto das Artes tem por objectivo uma vida social animada, nós acreditamos numa vida cultural em prol do colectivo», reclama.
E por isso está empenha em anular o concurso. «Há muitas incongruências e incumprimentos no desenrolar deste concurso. Não será muito difícil prová-lo.» Em cena está já o advogado Ricardo Sá Fernandes, que terá de optar por levar a cabo uma providência cautelar «ou qualquer outro tipo de acção» para reivindicar um maior subsídio para A Barraca.
Maria do Céu Guerra diz ainda ter do seu lado o secretário de Estado dos Bens Culturais, José Amaral Lopes, que «me garantiu que o nosso subsídio ia ser aumentado e continua a dizer que o faria se dependesse dele. O problema é que os desígnios são sempre dos mesmos», avança a directora de A Barraca.
No mesmo concurso, a Cornucópia, de Luís Miguel Cintra (625 mil euros), o Novo Grupo, de João Lourenço (605 mil euros), a Companhia de Teatro de Almada, de Joaquim Benite (550 mil euros), os Artistas Unidos, de Jorge Silva Melo (470 mil euros), O Bando, de João Brites (450 mil euros), a Comuna, de João Mota (360 mil euros), e o Teatro Experimental de Cascais, de Carlos Avilez (360 mil euros) ficaram à frente da companhia de Maria
do Céu Guerra
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Notícias (Actual - Expresso)



Carita, Alexandra, “Instituto das Artes”, in Actual (Expresso), nº 1688, 2005-III-05, pp. 6

Instituto das Artes

O novo Ministério da Cultura tem de saber se quer manter o Instituto das Artes como uma instituição de valência na promoção das artes do espectáculo e artes visuais, ou apenas como uma estrutura que atribui subsídios. A dar continuidade às funções, há que criar verbas para o seu funcionamento. Com um orçamento de 25 milhões e 628 mil euros e uma cativação de 21,4%, o IA não tem condições para trabalhar no seu segundo ano de vida. Os compromissos com os apoios pontuais de 2004 e as verbas destinadas aos apoios sustentados das artes dos espectáculos para este ano levam-lhe todo o orçamento, ficando de fora uns ridículos 177,20 euros. A estrutura que juntou Instituto Português das Artes dos Espectáculos (IPAE) e Instituto de Arte Contemporânea (IAC), tem 80 funcionários a trabalhar e não sabe como atribuir-lhes funções, anuladas que estão as suas áreas de intervenção – internacionalização, descentralização e experimentação. Em risco e dependentes das contas do IA estão ainda as representações nacionais nas bienais de Veneza e São Paulo.
 
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Notícias

Companhia Teatral do Chiado (CTC)


Teatro-Estúdio Mário Viegas (TEMV)



Centro Nacional do Cultura (CNC) e e-Cultura.pt




Comunicação Social

 
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«Ninguém se mexa! Mãos ao ar» (XX)

2005-03-04
A Pancada de Moliére dedica o S.O.S. - Céu à Irmã Lúcia


S.O.S. - Céu, de António Aragão

 
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A Descentralização


fotografias de Luís Rocha

A CTC EM VILA REAL DE SANTO ANTÓNIO

Esta noite, às 21h30, no Centro Cultural António Aleixo, o espectáculo As Obras Completas de William Shakespeare em 97 minutos participa no Festival de Teatro de Vila Real de Santo António, a convite da Câmara Municipal.
 
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A Descentralização

 
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«Ninguém se mexa! Mãos ao ar» (XIX)

2005-03-03

PEQUENA AUTOBIOGRAFIA

Eu nasci num dia de muita chuva, assim o afirma a minha mãe com espanto sempre que a nove de Dezembro a impertinência de umas nuvens breves a desaponta para lá das janelas. O meu pai desejava galhardamente que eu fosse um menino e essa foi a única alegria que eu lhe dei. (Fi-lo sem querer.) Na minha infância aprendi a recitar La Fontaine com a mais correcta das pronúncias, enquanto uma prima da minha bisavó nos chás das quartas-feiras declamava com agrado geral os alexandrinos arrebatados dos cardeais ceando. Ainda hoje se o astro rei brilha pelas alturas, este facto deve-se à modéstia da prima Adelaide que, enfim, não quis deixar Salamanca às escuras...

Depois fui crescendo e tornei-me grande. Tal sucede não apenas aos poetas mas a todos os meninos. (Há igualdade que vão mais cedo para o Céu e pelos quais não devemos chorar, pois foi Deus quem os chamou.) O Primeiro de Maio de mil novecentos e setenta e quatro, passei-o em casa, muito certo de que os acontecimentos daquele dia pelas ruas fora e pelo mundo não poderiam ser mais importantes que os desenrolados na Sagrada Rússia, cento e sessenta e dois anos atrás... – virando na expectativa as folhas do segundo volume. No Liceu de Pedro Nunes conheci por momentos uma felicidade impar, embora não me apercebesse na altura que os meus colegas eram mais puros dos heróis e que Virgílio acompanhava-me por todos os infernos e paraísos daqueles velhos corredores. Como a juventude desdenha a evidência! (Passados os vinte e cinco anos, ser-me-á permitido ironizar algum remorso mais vivo que desde então silenciosamente vem-me doendo – e muito.)

Quando constatei que o meu país não possuía um verdadeiro “teatro nacional” – lida algures esta expressão –, resolvi com toda a seriedade emendar este estado de coisas lamentável. Mas como? Da maneira que melhor me pareceu, ou seja, a leitura dos eternos clássicos traduzidos para português. Convenci-me logo que estava nas minhas capacidades escrever peças muitíssimos melhores – oh bem capaz! Então aqueles é que eram os shakespeares, os racines, os imortais do siglo de oro? Que esperassem por mim e já veriam... – até que um dia, por um desfastio fatal que me salvou, resolvi lê-los, aos coitados dos clássicos, na língua de origem. Hoje admiro-os inexcedivelmente, notando com orgulho a sua influência pelas entrelinhas do que escrevo. Azar aos tradutores da terra portuguesa!

... de resto, continuo a crescer. Em vez de grande, tendo agora tornar-me um pouco sábio, o que ninguém ignora constitui nestes tempos velozes o maior risco para se cair em pleno ridículo. Que faço na vida? Para além de uma dúzia de peças já escritas – estão na gaveta –, gosto de caminhar por Lisboa, aprecio o castelhano desembaraçadíssimo da santa de Ávila e tenho longas conversas de madrugada com a minha prima Adelaide, se estais lembrados. Há amores eternos. Concluímos teimosamente que as coisas vão mal, poderiam ir bem pior todavia! Melhorarão proventura se com esforço e honestidade... – ambos cremos que sim.

Miguel Rovisco




“Autor de «Trilogia» premiada – Miguel Rovisco morre aos 27 anos”, in A Capital, 1987-X-07

Autor de «Trilogia» premiada
Miguel Rovisco morre aos 27 anos

O dramaturgo português Miguel Rovisco, de 27 anos, suicidou-se no sábado – revelou o actor Mário Viegas.
O dramaturgo, que deixou mais de 20 peças (escritas desde 1984) e centenas de poemas, morreu debaixo de um comboio, e o funeral realizou-se domingo, aparentemente sem que quase ninguém tivesse dado por isso, para além da família.
Vencedor do Prémio Nacional de Teatro, para o melhor texto dramatúrgico, em Março deste ano, pela sua «Trilogia Portuguesa», Miguel Rovisco, até há poucos meses funcionário público recusou-se então a aceitar a parte pecuniária do mesmo (300 contos) e apresentou-se de negro e de corda ao pescoço no palco do Teatro de D. Maria II, como forma de protesto contra os responsáveis pela sala. Na altura, o jovem dramaturgo acentuou que protestava daquela forma porque a Companhia Nacional de Teatro já deveria ter apresentado a sua obra, e sem cortes, como se propunha fazer.
Na verdade a trilogia premiada ainda não chegou a ser vista, mas está programada para a temporada 87/88 daquele teatro nacional.
Uma das peças de outra obra do mesmo autor, «Trilogia dos Heróis», foi em 10 de Junho apresentada pelo Teatro Experimental do Porto, sob direcção de Mário Viegas, no Festival de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI).
A «Trilogia Portuguesa», obra que arrebatou no início deste ano o Prémio Nacional de Teatro, é composta pelas peças «O Bicho», sobre o marquês de Pombal, «A Infância de Leonor de Távora» (a marquesa de Távora) e «O Tempo Feminino», sobre D. Maria II.
Quanto à «Trilogia dos Heróis», é formada por «Um Homem Dentro Dum Armário», «Um Homem para Qualquer Pátria» (a que foi já representada no Porto) e «O Homem da Pluma Azul» todas elas passadas na madrugada de 1 de Dezembro de 1640, o dia da restauração da independência portuguesa.
Miguel Rovisco, considerado a maior revelação da dramaturgia portuguesa na presente década, elaborou igualmente adaptações de grandes clássicos da literatura portuguesa, incluindo «Eurico, o Presbítero», de Herculano, «O Arco de Sant’Ana», de Almeida Garrett, «Vilhalpandos», de Sá de Miranda, e «A Queda de Um Anjo», de Camilo. Escreveu, também, «Os Velhos e Mistófeles», uma glosa a «Os Velhos», de D. João da Câmara, mas nenhuma das suas obras chegou a ser editada.Por outro lado, é o autor do guião de uma série que Herlânder Peyroteo tem estado a rodar para a RTP.
 
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Artigo de opinião de Mário Viegas, in Diário Económico, 1995-VII-07

2005-03-01


TEATRO
Por Mário Viegas


Um beijinho no actor Simão Rubim

Na última crónica que escrevi, fui de uma violência verbal enorme contra uns pseudo-intelectuais. Aquilo é que foi dizer mal e destilar veneno!!
Hoje (só para variar) apetece-me só dizer bem. E, para dizer bem de «pessoas de Teatro», passo a citar:
CARLOS AVILEZ – Encenador e actual Director do Teatro Nacional Dona Maria Dois e fundador, há 30 anos (com outros amigos Actores), do Teatro Experimental de Cascais, onde eu me estreei em 16 de Janeiro de 1968, como Actor profissional. Perdoem-me a efeméride!...
Este homem ama, de facto, o Teatro como poucos! Há muitos anos que vou ver os espectáculos do T.E.C. e lá está sempre o Carlos, à porta, a ver entrar e sair o público. A ver se gostaram ou não... A controlar os espectáculos... Agora no Dona Maria Dois, sucede o mesmo!! Ele lá está, diariamente no átrio ou no restaurante, a viver os espectáculos. Só assim se pode ser um grande homem de Teatro!!
Fazendo do Teatro a sua casa e dos seus amigos. Que bonito!
EUNICE MUÑOZ – Vão vê-la na peça «O Caminho para Meca». Que humildade, aparente simplicidade, que bonita!! Obrigado pelo seu comovedor Trabalho, que acompanho há anos, Eunice!!!
«A Humildade deve ser a 1ª qualidade de um Actor»
Ora aqui estão dois belos exemplos, num meio teatral em que qualquer «menina ou menino», fazem um reclame na TV, dizem 6 frases numa telenovela e numa peça que ninguém vê e se permitem logo «cagar sentenças» sobre o Teatro entrevistas... Ou, pior do que isso, identificarem-se como Actores. São logo Actores...
Mas dentro do reino da Humildade e da Simplicidade, gostaria de dizer bem do:
SIMÃO RUBIM – Está na Companhia Teatral do Chiado há cinco anos. Fez, muitíssimo bem, 4 papéis lindíssimos em peças do Eduardo De Fillippo que eu encenei: «Nápoles Milionária», «A Arte da Comédia» e «A Grande Magia». Foi o protagonista de «A Birra do Morto» de Vicente Sanches e prepara-se agora para ser um dos protagonistas de «O Homem-Elefante», o nosso próximo espectáculo. Tem-me ajudado em tudo: bilheteira, programas, traduções (fala perfeitamente o inglês), produções, luzes, sei lá...
E sabem como eu o reconheci?!
Fui passar uma semana a Londres com o Actor Juvenal Garcês, para ver Teatro. E não é que Dustin Hoffman, o famoso super-star do Cinema, estava a fazer «O Mercador de Veneza» no Teatro Phoenix, em pleno centro de Londres. Esgotadíssimo há semanas, claro!!! Lembrei-me de ir espreitar o final do espectáculo, para lhe pedir um autógrafo, à porta dos artistas. Podem pensar que é piroso, mas foi mesmo assim!! Bem, estavam lá mais de 100 pessoas com a mesma ideia: japoneses, meninas histéricas com máquinas fotográficas, e até uma senhora de bengala, sentada numa cadeira de lona, mesmo em frente da porta...
Esperamos aí uns 45 minutos. Saiam outros actores, técnicos, etc. Fecharam a luz das traseiras do Teatro e ficou tudo frustradíssimo. Eis que aparece o director do Teatro, acompanhado por 2 guarda-costas do Dustin Hoffman, de aspecto sinistro. Um era forte, rabo de cavalo, óculos escuros. Outro alto, magro, cara com borbulhas, óculos escuros. Dois verdadeiros «gangsters»... E diz:
«-Desculpem, mas o senhor Dustin Hoffman já saiu por outra porta, pois está muito cansado esta noite».
Desilusão e fúria total. Houve uns assobios e eu, como bom português e no meu péssimo inglês, avanço e digo-lhes provocatóriamente:
«-E nós também estamos muito cansados de estar, aqui ao frio, à espera do Sr. Hoffman!»
Logo os dois «guarda-costas» avançaram para mim e o magrinho tira os óculos e põe-me a mão no braço:
«-Olha!! Tu não és o Mário Viegas?! Eu sou português. De Cascais. Comecei a fazer Teatro no TEC, com o Avillez. E agora estou aqui a trabalhar neste Teatro».
Logo nessa noite eu, o Juvenal Garcês e o Simão, ficamos amigos para sempre. E este homem apareceu-nos, um ano depois, em Lisboa, para inaugurar connosco a Companhia Teatral do Chiado em 1990. Já tinha conseguido fazer uma peça em Londres, figurações em Óperas, pequenos papéis numa óptima série da BBC, trabalhando em hotéis, como porteiro e como «pseudo-guarda-costas» de Hoffman. E mais grave ainda, ter sido aceite numa das melhores escolas de Teatro inglesas, o que é dificílimo!!
É com estas pessoas AMIGAS, HUMILDES, TALENTOSAS; que se constrói uma Companhia... Um Espectáculo. E não com pretensiosos e medíocres, que proliferam cada vez mais no nosso Teatro, Televisão e Cinema. Que até apresentam falsas biografias e cursos tirados «lá fora»...
Bem... Hoje é só para dizer bem!
Obrigado Simãozinho! (Pela tua Humildade e Talento)
Obrigado Eunice! (Pela sua Luz para Meca)
Obrigado Carlos! (Pelo seu Amor aos Actores)

P.S. – Atenção! Esta croniqueta não tem nada a ver com o nosso Joaquim d’Almeida, mais conhecido pelo «Quim d’Hollywood», ou com o nosso Filipe La Féria, que escreveu um «curriculum» num programa do Dona Maria, a dizer que tinha um Curso de Encenação tirado em Londres, quando só lá esteve uns tempos a servir à mesa num restaurante... o que, aliás não é vergonha.
 
posted by CTC at 17:39, |